Quem é vivo sempre aparece, e quem é morto também!
Pois então vejam só, as pessoas não perderam o velho hábito de morrer! O que é uma pena, como diria o grande Chico Anísio. Sim, morrer é algo chato, não só pela coisa de sempre: ausência, funeral, lágrimas, saudades, etc. Mas também pelo fim do fazer e do ser.
O morto, mortinho da Silva no caixão, querido ou não, vai deixar dívidas para você, porque até na hora da morte damos despesa e é das altas, já viu o preço do caixão? Da cova? Do imposto? Etc... Tem muito morto que não está conseguindo descansar eternamente, com o peso da dívida nas costas, afinal “vivi a vida inteira sem fazer dívidas, vou dar despesa justo agora?” É por isso que quem é morto às vezes aparece, vira assombração!
Outro dia recebi uma mensagem no meu whatsapp: "Você já conhece o plano funerário ...?" Eu bloqueei o contato na hora, Deus me livre não dar um pouco de trabalho para os meus! Deixemos que outros cuidem dos trâmites, afinal a morte pertence a nós, é hora de saborear o novo, seja o descanso eterno, o desencarne, o céu, o inferno, o despertar no umbral ou no purgatório, o ficar encantado, ou o virar uma estrelinha, não importa! O tempo é do morto, os vivos que se virem para fazer o que precisa ser feito.
Em velórios geralmente aparece gente que há muito tempo não vemos. Sim, afinal são os vivos que sempre aparecem! E tragédias têm o condão de juntar gente, uns tantos que nunca deram as caras quando o sujeito ainda vivia, mas Ok, cada um com seus problemas, não é verdade?
E aí as pessoas lamentam: “Que pena! Tão jovem! Tão bom! Tão bonito! Tão rico! Tinha um coração gigante! Era tão querido! Coitado, não merecia morrer assim! Sofreu tanto!” Enfim... toda aquela ladainha que o morto sequer vai ouvir! Na hora da morte todo mundo vira anjinho barroco, sem pecado, padecendo algo que “não merece”. Já reparou?
Então vêm as velhas rezadeiras cantar o “A nós descei divina luz”, vem o padre encomendar a alma, a choradeira sem fim, o caixão que desce, a poeira que sobe. E pronto. A vida segue para quem fica. Fácil, difícil... vai depender...
Morrer é tosco. Chato. Sem graça. O pobre do morto não será mais, não poderá mais, pelo menos não na existência que o recebeu, e as lágrimas dos que ficam são legítimas e são parte do ritual de passagem. É uma pena, uma pena perder os churrascos em família, a cervejinha gelada, o futebol com os amigos, o carnaval do ano que vem no bloquinho do bairro, a estréia do novo time da seleção.
Se tiver algo a dizer, diga agora. Homenagem post-mortem é remédio para a culpa e ninguém sabe se o morto terá acesso a essa informação. Afinal, a morte carrega em si um segredo, que só quem é sorteado sabe.