Maria
O milho voando no vento parecia pintura, Maria sorria com os cabelos flutuando enquanto aparava com a peneira cada grãozinho que voltava obediente para ela.
Maria queria ser vento, e o vento era dela. Sua saia rabiscava uma silhueta de bailarina ondulando freneticamente fazendo par com suas melenas cor de açúcar mascavo.
Eu queria ser escravo de Maria, seus dentes alvos como nuvens desfilavam enfileirados como num colar diamantino. Sonho em vê-la banhar seu corpo perfilado fazendo uma sombra dourada na água, beijada pelo poente e sob a egrégia luz de seu nimbo azulado.
Maria é meio anjo, meio coruja. É halo e é zinabre. Ela não sabe bem o que é.
Para mim Maria é encantada e as libélulas são suas mensageiras, quando a vejo jogando o milho pra cima nem percebo que as rendas de sua blusa branca lhe omitem a boca cor de urucum. Melhor que omitam mesmo, eu sonharia com aquela boca mesmo acordado. Eu a beijaria a força se pudesse, mas meus impulsos masculinos não são maiores que minhas moralidades.
Se ela permitir eu beijo, como não sei se ela permite eu imagino. Lá de longe eu fico espiando, ela joga o milho e assopra, mas não assopra muito. Tem vento, o vento faz o trabalho. Bagaço voa pra um lado e o milho retorna ao círculo redondo de onde sai uma poeirinha pouca pelos buraquinhos,embaixo.
A saia de Maria é guarda-chuva aberto esperando ser contida, ou ser um pouco mais erguida para minhas vontades. Só lhe vejo as canelas. São canelas cor de canela, e devem cheirar a canela também. O poente me ajuda a fitar o quadro, a cada centímetro que o sol deita Maria enegrece mais, seu cabelo mascavo brilha mais e sua luz irradia mais.
Espiono de trás de uma mangueira velha e seca, observo solene e apaixonado, ela nem me sabe. Quando ela entra eu subo naquele galho arriscando o pescoço e a dignidade só pra deitar e sonhar com Maria. Quem sabe Maria resolva um dia enfeitar todos os meus dias?
Deitado sob o manto azul escuro que vai caindo vejo uma primeira estrela luzindo. Vai brilhando fraquinha com a luz de meia Maria, dez Marias seriam iguais à lua, mas só preciso de uma Maria pra ganhar do sol em esplendor e graça.
Agora preciso esperar a terra dar meia volta. Enquanto eu vou sonhando que já é dia. E quando o dia chega Maria vem enfeitar o campo com sua beleza feiticeira e gaiata.
Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 10/03/2021
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