Compaixão
Recentemente assisti na netflix ao documentário "Missão: alegria em tempos difíceis", uma entrevista com o Dalai Lama e o arcebispo Desmond Tutu. Aproximadamente no minuto 39, Dalai Lama narra um fato sobre compaixão, não vou dar spoiler, então vocês terão que assistir.
Toda a entrevista é uma delícia, leve, pra cima e cheia de ensinamentos, mas esse trecho, especificamente, me tocou, pois era o que eu precisava "pra hoje".
Ter compaixão pelo agressor é um gesto de nobreza, de evolução espiritual. Às vezes nos tornamos vítimas, e sim, a culpa é do outro, não estou falando de vitimismo, estou falando de sofrimento real, de dor que nos impõem por maldade. É verdade que podemos ser mártires, é verdade que podemos ter algozes, embora, na maioria das vezes (na nossa condição humana atual), sejamos bem mais coitados do que vítimas de verdade.
Independente de qual seja a circunstância, pensar que o agressor é quem de fato carece de compaixão é algo nobre, além de ser algo curativo.
Entender que quem está no papel de algoz assim o é por sua história pessoal e particular, por suas referências e pelo seu estado evolutivo, compreender a motivação do outro amaina em nós o peso da ação.
Essa passa a ser insignificante, porque a compaixão se sobrepõe a ela.
E as coisas começam a acontecer em cadeia. A raiva passa, a angústia vai embora, o desejo de vingança não vinga, o mal estar e todas as implicações no corpo físico se aquietam.
Ninguém está dizendo que é fácil. Os dois amigos que protagonizam o documentário são seres humanos evoluídos, que meditam, vivem vidas com total desprendimento e altruísmo, e são missionários dentro de suas crenças religiosas, um é Monge budista, comunga da cultura asiática, sua origem, o outro é arcebispo católico e missionário na África. Cada um tem sua história de vida, particularidades que os colocariam em polos totalmente opostos, do ponto de vista cultural, social e de construção filosófica em suas vidas, entretanto se respeitam e, juntos, tornam tudo mais leve e natural.
O fato de pessoas tão opostas se tornarem amigos íntimos e desfrutarem de um amor-amigo tão singular é, talvez, a materialização dessa tal de compaixão. Hoje, por muito menos estamos partidos ao meio, nossas famílias dissecadas pelo ódio partidário, pelo fanatismo religioso, pelos preconceitos, enfim. A entrevista com os dois líderes espirituais veio para mim como um afago na alma, me deu um aceno de esperança de que a humanidade ainda existe em nós e que é possível sentir compaixão por quem nos maltrata, olhando com um olhar menos julgador, porque jamais conheceremos as dores do outro, não temos o poder de estar nele, então, só a compaixão pode mesmo alcançar um coração machucado. E ela deve fluir de nós.
Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 04/02/2023