Tempo havido
A maçã enrolada num papel roxo,
O fogo mamando a luz no querosene,
O cheiro do feijão tirado antes
Os joelhos penitentes pela casa
A palma na lata de cera vermelha.
A parreira pau-pelado no verão,
O toicinho dando gosto ao fim de tarde.
As panelas pretas engostosando a noite
A cantiga de rezar num júbilo mole
As cartas de amor na mala de papelão.
O algodão queimado curando os cortes
As brasas passando as roupas dentro do ferro
Os filhos inchando na barriga,
O porco morto com a barriga aberta.
A tela de acrílico dando cor à tela.
O escovão lustrando o passadiço
A dor de barriga resolvida num buraco
O pelego ocupado em tapete
As correias rasgadas dos chinelos
A rapadura meio mole fazendo cuspe.
O giro do leite virando doce no tacho
O milho sendo fubá no pilão
Os biscoitos-menino nas latas pretas
O café plantado, colhido, torrado e moído
O quintal-cafezal das imaginações.
As felpas aperitivo para o fogo querer a lenha
A lenha estralando no fogão
As cabaças de Jataí pela cozinha
As agulhas nos olhos de botão,
O leite derramando na fervura.
O dia cor de hortênsias exóticas
A manhã de broa e biscoito frito
As roseiras exalando saudades
O suco de jenipapo com bicarbonato,
O fumo de rolo, as palhas e a binga.
O trote pés de aço levantando pó
A roda chorando o peso da lenha
O menino gritando o gosto do picolé
A melancia cabo seco, caldo doce.
E as mariposas sujando o chão com seu passado.
O machado encontrando a lenha
O ritmo da vida no pilão
A cana entregando o bagaço
O suco açucarado ao natural.
As cinzas do fogão no fim do dia.
A barriga grande sofrendo o acordeom
O som das alegrias virando música
As alpargatas vingando os pés no chão
A chave ao lado da taramela.
A pisada alta na calçada.
O candeeiro fazendo garatujas pretas
O kaol polindo as latarias
O gato encolhido entre as telhas
A felicidade encontrando lugar
Na simplicidade de um tempo havido.
Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 21/01/2024
Alterado em 21/01/2024