Bença, vó!
Bença, mãe Lorde! Bença, Nesta! Bença, pai Felintro!
Era sempre assim. Invariavelmente. Nessa ordem.
E depois eu ocupava a cadeira de madeira avermelhada, com rajados em marrom, que ficava na ponta da mesa. Sempre a cadeira da ponta. Mãe Lorde reparou.
Ela largava as flores que cultivava a agulhadas na etamine branca e vinha me oferecer café. Se eu não queria café, oferecia abacate amassado no copo de alumínio com rapadura. Mas se eu não queria nada, ela se entristecia de quase morrer.
Era Nesta quem trazia papel e caneta. Uma única folha de um caderninho esquecido na gaveta azul do armário da sala e uma caneta Bic azul, preservada com cuidado para não sumir. A tampa se atirou embaixo de um móvel qualquer e nunca mais ninguém soube dela.
O pedido era dois pratos de arroz, dois pratos de feijão, um de farinha, um queijo, uma rapadura daquelas cerentas e uma banda de melancia bem vermelhinha, cujo talo estivesse seco.
Às vezes pedia um condombá ou um prato de milho pra 'enteirar' o dinheiro.
E eu ia pra feira todo sábado de manhã. Era muito jovem. Devia ter uns doze ou treze anos e logo aprendi a economizar dinheiro, fazer conta e pensar estrategicamente no modo de carregar a cesta. Quando retornava à casa elas agradeciam e me ofereciam um 'feijão os caroço' com farinha e torresmo que dava até pra fazer capitão e um ovo frito com a gema mole por cima. Quando papai podia esperar eu comia com gosto e elas ficavam felizes.
Pai Felintro pegava a banda da melancia e comia de colher até ficar só uma aguinha no fundo e falava: 'essa tá boa, minha fia!'
As moedinhas que sobravam eram meu pagamento e deleite. Eu às vezes trocava por um pirulito ou uma geleia na venda de seu Quinca e me sentia prosa.
Bença, mãe Lorde! Bença, Nesta! Bença, pai Felintro! Até outro dia!
Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 14/08/2024