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Cyntia Pinheiro
Uma mulher subiu na mesa do bar e fez da saia um disco voador
Textos
Tácita

Há cerca de um ano comecei a interessar-me por mitologia. Demorou, deveria ter começado a ler sobre isso há muito mais tempo, pois é mesmo fascinante. A riqueza literária, a capacidade criativa, o poder de encantamento dos mitos é uma coisa extraordinária. Fico embevecida a cada contato meu com um novo personagem. Eu não imaginava o quanto nosso vocabulário, nossos hábitos, nossa cultura está – no melhor sentido do termo – contaminada pelos mitos, sobretudo os gregos e romanos.
Palavras usuais, corriqueiras, que eu jamais imaginaria, vieram deles. Recentemente conheci a Tácita. Em nosso dizer comum, é natural que digamos algo tacitamente ou de forma não explícita, para que fique subentendido. Mas eu não conhecia a origem da palavra e soube que ela faz parte da mitologia romana.
Tácita teria sido a filha do deus do rio, Almon. Conhecida por sua beleza e sua tagarelice, teria feito uma fofoca sobre um interesse de Júpiter pela ninfa da águas, Juturna. Tácita foi contar a Juno, esposa de Júpiter de suas pretensões, olha que rolo!
Um parêntese a título de curiosidade: Na mitologia grega Júpiter é Zeus e Juno é sua esposa e irmã, Hera. Ainda não encontrei uma correspondente grega para Tácita (se você conhecer, por favor me conte qual é).
Pois bem, a fofoqueira da Tácita, ou Lara, como também pode ser conhecida, teve a língua cortada por Júpiter que ficou furioso com a confusão que ela arrumou com sua esposa. Se Hera era perigosa, porque vivia sendo traída e sempre se vingava  das amantes do marido, eu não esperaria menos de Juno, sua correspondente romana. Veja bem, Mercúrio (equivalente a Hermes na mitologia grega) é encarregado de levar a bonitona muda para o submundo e se apaixona por ela no caminho, tendo com Tácita filhos gêmeos, mas isso é pano pra outra manga. Seguindo o rolê, Tácita acabou se tornando uma ninfa do submundo e cultuada pelos romanos como a deusa do silêncio e da virtude.
Considerava-se que o silêncio era tão importante quanto a eloquência e Tácita tornou-se uma protetora contra os perigos da inveja e das palavras maldosas. É aí que eu gosto de tomar um fôlego e refletir. O silêncio é importante e nos livra da inveja e da maldade. Ser fofoqueira como Tácita não é nada positivo, e o mito nos mostra isso. É bom a gente preservar o bom senso, ouvir mais, falar menos para evitar problemas.
Isso é algo que eu preciso aprender.  Quando a gente expõe demais nossa vida e, sobretudo, nossa felicidade, despertamos a inveja nos outros. Eu odeio que seja assim, porque adoro saber quando as pessoas estão felizes, conquistam algo e compartilham seus feitos. Eu fico feliz de verdade pelos outros. Mas não sou hipócrita de não admitir que também já senti inveja, talvez ainda sinta algumas vezes, entretanto, isso não é algo que faz parte de mim. Ter que adquirir essa malícia de não poder escancarar a vida para o mundo é como ter a língua cortada. E é doloroso. A pobre da Tácita que o diga. Mas o silêncio ainda é a melhor proteção e a melhor virtude que podemos desenvolver.
Aprendamos com Tácita! Antes que nos cortem a língua, ou nos machuquem o coração.
Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 04/09/2024
Comentários
D
Drica
Texto muito esclarecedor!
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123
O deus grego do silêncio era Harpócrates, mas não sei se podemos considerar ele como equivalente de Tácita.
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Damião Ramos Cavalcanti
Prezada Cyntia Pinheiro, Os romanos criavam deuses para cada fenômeno ou necessidade humana , diferentemente dos gregos, que só tinham os doze olímpicos e divindades menores como os rios e as ninfas. Tácita, dos romanos, deve estar numa narrativa menor, que não sobreviveu a não ser nos coletores de mito ou mitográficos. É preciso saber qual foi a fonte. No tocante à Tácita, veja-se que o nome dela é bem latino, oriundo do verbo taceo, tacere, calar, da segunda conjugação do latim. Não há na mitologia grega alguma divindade, correspondente à Tácita, do seu ótimo texto.
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Soul Hunter
Olá Cyntia Pinheiro, você traz uma reflexão interessante sobre o poder dos mitos e como eles continuam a influenciar nossa vida cotidiana, mesmo sem nos darmos conta. Ao mergulhar na mitologia, você descobre a profundidade das histórias que moldaram nosso vocabulário e cultura, como o mito de Tácita, a deusa do silêncio e da virtude.    Você se identifica com Tácita e nos lembra da importância do silêncio, destacando que às vezes é melhor ouvir mais e falar menos para evitar problemas. É um lembrete de que o excesso de exposição, especialmente de nossas felicidades, pode atrair inveja e maldade. E mesmo que você valorize a sinceridade e a celebração das conquistas alheias, reconhece a complexidade dos sentimentos humanos, incluindo a inveja.    Sua crônica nos convida a aprender com Tácita a preservar o bom senso e desenvolver o silêncio como uma virtude. Afinal, compartilhar demais pode ser tão doloroso quanto ter a língua cortada, e encontrar equilíbrio entre falar e calar pode ser uma forma poderosa de proteger não só a própria felicidade, mas também o próprio coração. É um belo convite para refletir sobre o valor das palavras e do silêncio em nossa vida.