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Cyntia Pinheiro
Uma mulher subiu na mesa do bar e fez da saia um disco voador
Textos

Uns braços (não machadianos ou pouco machadianos)

 

 

Havia um homem. Havia vários. Mas em um havia braços. Em todos havia braços, mas naquele homem, especificamente, havia braços viris. Ele não tinha rosto, nem pernas que valessem a mirada, nem dentes atraentes (e dentes bonitos são muito atraentes), e nem cabelo, ou sequer aquele abdômen cavo, que percorre na imaginação, uma estrada certeira ao ponto do desejo. Não! Nada disso se via pela camiseta regata. Só se viam seus braços.

Eram braços de baterista, ou de pescador, ou de pedreiro, ou de personal, ou de remador, ou vagabundo. Vagabundos costumam ter aqueles braços. Ele era abençoado com braços, enquanto outros são abençoados com inteligência, sorriso bonito, cabelos sedosos e cheirosos, pernas definidas, bom papo, dinheiro, boa pinta ou simpatia. Mas ele não, só tinha braços. E nem era um polvo, eram apenas dois e ela estava hipnotizada.

Braços capazes de conduzí-la no baile, de levá-la pela rua, de adornar sua cintura ou aconchegá-la fortemente contra seu corpo, braços capazes. Muito capazes! De fazer dela uma princesa, de fazer dela uma cortesã, ou de fazer dela uma companheira.

E ela ficou viciada naqueles braços. E ela ficou enfeitiçada por aqueles braços. E os braços eram a razão de todo sonho e de todo pesadelo, e de toda ocupação e de todo ócio, e de cada segundo e do seu dia. Seu tempo era povoado de braços, e braços era só o que conhecia. E braços era só o que desejava. E braços era o que a mantinha viva. E o que a alimentava. E o que a fazia existir. E o que a dominava. Subjugava. Escravizava. Assassinava.

E os braços eram braços assassinos. Que abraçavam pela gola. Onde o fôlego fica curto. Onde somem as horas e os sentidos. Lugar em que se sufocam as lembranças, os planos e o êxito. E os braços eram aprisionadores. Carregados de vingança e segredo. E os braços eram bonitos e sedutores. Eram braços de dubiedade. Eram braços de mistério. Eram braços de vício. Braços de brincar de roda. De fazer a roda girar. De cometer erros por paixão. De não se encantar. De não se entregar. De não poder. De não falar. De não agir. De não denunciar. Eram braços de querer. De querer sem nem pensar. Eram braços de bíceps, tríceps e veneno. Eram braços de malícia. De orgasmo. De paixão, fogo, tesão. Eram braços de morte.

E os braços não eram dela. Mas eram para ela. Braços de se morrer. Braços de se viver. Braços lugar. Braços de se derramar e partir. Braços de se desenhar formigas e de se morder no banho. Braços em que não havia lugar para uma mulher tão terna, tão morta, tão desejosa de acalento. Braços para não se ter. Braços que matam. De vontade. De aperto.

 

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 22/09/2024
Alterado em 22/09/2024
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