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Cyntia Pinheiro
Uma mulher subiu na mesa do bar e fez da saia um disco voador
Textos

Ruptura

 

Cyntia Pinheiro

 

É bonito saber que alguém tem apreço por nós e é capaz de expressar de maneira terna, através de uma lembrança, um guardado, um fragmento de nossa história.

Ontem recebi de um amigo de nossa família – e lá se vão muitas décadas de amizade – essa fotografia, uma lembrancinha distribuída no dia em que fiz a Primeira Eucaristia. Eu de arranjo branco no cabelo, vestido branco, um terço entre as mãos ajuntadas em oração. A expressão de pureza de uma menina quase angelical.

Gestos assim me comovem. Eu sou saudosista e tudo o que me remete àqueles tempos de minha juventude, fazem meu coração saltar de felicidade.

Essa foto me fez refletir sobre minha ruptura com as bandeiras religiosas. Não com a fé. Mas com os templos. Tenho uma caminhada longa junto aos anseios cósmicos, junto aos despertamentos espirituais e às múltiplas maneiras de se acreditar em algo intangível. Nasci e cresci dentro da igreja católica. Participei ativamente de grupos de jovens, fui da equipe de liturgia, cantei nas equipes de música, fui batizada, fiz primeira comunhão e aos quatorze anos já era catequista, formando outros adolescentes na fé católica.  Foi quando tudo começou a mudar. Eu era uma catequista muito questionadora e encontrei perguntas demais e respostas de menos. Ainda assim, insisti, fiz crisma, me casei na igreja, batizei meus filhos, segui a cartilha o melhor que pude, e até fiz parte de grupos da renovação carismática. Em minha juventude participei de inúmeros retiros espirituais, procissões, grupos de oração, novenas, encenações em dias santos. Morar na rua da igreja me fazia viver dentro dela.

Mas havia em meu coração muitas discordâncias. Então fiz um tour pelas igrejas evangélicas, visitei várias, não me despertaram nada. Fui estudar gnose, fui tentar ser wicca, fui estudar taoísmo,  tarô, misticismo, projeção extrafísica consciente, neoética, manipulação de energia, ufologia, li sobre budismo, li o Alcorão, li a Bíblia inteira. Fui estudar Kardec, fui ser espírita. Aprendi sobre reencarnação, sobre mesa mediúnica, aplicação de passe, sobre a caridade. Fui levar os meninos na evangelização infantil, fiz trabalhos voluntários. Tentei me engajar como eu podia nas muitas tarefas, participei de grupos de estudo, fiz palestra. Na doutrina espírita foi onde mais me encontrei e onde mais obtive respostas, além do alento espiritual que eu necessitava. Mas... E sempre tem um mas...

As religiões começaram a não fazer mais sentido para mim quando fui percebendo nelas o elemento humano e, pior ainda, o elemento político. Uma vez ouvi do querido Dr. Iran Rêgo: “cada pessoa tem a religião que precisa”. Dessa frase nunca me esqueci, tanto para respeitar a religião dos outros, quanto para reafirmar que hoje eu não preciso de nenhuma. Meus pés calejados de tanto procurar encontraram o próprio caminho. Cristo vive em mim, onde coabitam outras experiências e filosofias que não se excluem. Entendi que a essência de tudo é o progresso espiritual e isso é subjetivo. Seguirei tentando evoluir, fazer o bem e viver da melhor maneira que eu puder, o “como” é com Deus, e Ele está comigo sempre.

Em tempos de guerra ideológica em que um papa como Francisco morre, e há “pessoas de bem”  fazendo festa, sou aquela que prefere aprender com Jesus a amar sem fazer acepção de pessoas, sem nem mesmo me sentir no direito de condenar ninguém por suas atitudes.

Eu prefiro não projetar no outro minhas mazelas, meus defeitos, prefiro buscar o autoconhecimento e busco enxergar o mundo com um pouco de compaixão e menos julgamento. Consigo? Nem sempre. Mas sigo tentando. Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil do mundo, tenho dito que “dentro é o lugar mais longe”, numa humilde alusão à máxima Socrática. Aprendi que a pessoa mais difícil do mundo sou eu, o território mais desconhecido é meu coração, e eu sou ponto cego ao meu próprio julgamento. É preciso coragem para desbravar esse caminho, mas a cada passo, existe sabor de vitória.

Minha prece hoje é: Perdoa, Senhor, pois não sabemos o que estamos fazendo. Não temos mesmo a menor ideia, somos cegos guiando cegos. Dá-nos sabedoria! Amém.

 

 

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 24/04/2025
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